Apesar da fama, a teoria de que essas localidades seriam verdadeiros “points” da longevidade vem sendo colocada em xeque por estudos recentes. Pesquisadores têm questionado os dados que sustentam essa narrativa e apontam possíveis falhas nos registros que deram origem ao conceito.

 

O que é uma “Zona Azul”?

O termo foi cunhado em 2004 pelo jornalista e explorador da National Geographic, Dan Buettner, após visita à ilha de Okinawa, no Japão.

A partir dessa expedição, Buettner e a equipe identificaram comunidades onde as pessoas vivem significativamente mais tempo que a média global, com uma concentração incomum de centenários (pessoas com 100 anos ou mais) e baixas taxas de doenças crônicas relacionadas à idade.

São elas: Okinawa (Japão), Sardenha (Itália), Ikaria (Grécia), Nicoya (Costa Rica) e Loma Linda (Califórnia, EUA).

Nove fatores foram associados à longevidade:

  1. movimentar-se naturalmente;
  2. ter um propósito;
  3. diminuir o estresse;
  4. comer até estar 80% satisfeito;
  5. dietas baseadas em vegetais;
  6. beber de uma a duas taças de vinho por dia;
  7. ter senso de pertencimento e fé;
  8. priorizar a família;
  9. viver em comunidades positivas.

Um livro sobre o tema foi publicado em 2010, tornando-se um dos best-sellers do The New York Times e abrindo espaço para uma série de nove publicações sobre o tema assinadas por Buettner.

Achados tem validade científica?

Apesar do apelo inspirador, evidências recentes apontam inconsistências na própria base que sustenta as Zonas Azuis.

Um estudo (ainda em revisão pelos pares) do demógrafo Saul Justin Newman, da Universidade de Oxford, revela padrões indicativos de erros nos registros civis, fraudes acidentais e até manipulação de dados envolvendo pessoas com idades notavelmente avançadas.

Entre os achados mais surpreendentes, Newman identificou que:

Em seu artigo, Newman aponta como esses padrões indicam que muitas das idades extremas das Zonas Azuis podem não ser reais.

Assim, a longevidade não seria resultado do estilo de vida local, mas de erros, registros imprecisos, fraudes previdenciárias ou trocas de identidade (como o uso de documentos de irmãos falecidos). O trabalho do pesquisador lhe rendeu o IgNobel de Demografia em 2024.

O que ainda podemos aprender com as Zonas Azuis?

Mas mesmo com as críticas, os especialistas concordam que os hábitos de vida observados nas Zonas Azuis ainda têm algum valor para as metas de longevidade e qualidade de vida.

“Estudos de coorte e metanálises indicam que alimentação saudável, exercício físico regular, e social e saúde mental reduzem o risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, câncer e declínio cognitivo. Há evidências robustas de que esses fatores estão associados tanto à longevidade quanto à melhor qualidade de vida na velhice”, comenta Ana Carolina Garcia e Garcia, geriatra e diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo.

Outra lição importante vem da valorização de conexões sociais e da vida com propósito como mecanismos para uma saúde mental plena.

“Ter um motivo para acordar todos os dias e sentir-se conectado com os outros está diretamente associado a menores níveis de estresse, mais felicidade e maior longevidade. Isso reforça a ideia de que saúde não é só física, mas também emocional e social”, diz Bernardo Guimarães, especialista em endocrinologia e nutrologia.

Ana Carolina ressalta, porém, que a influência exata desses fatores sobre a longevidade extrema (supercentenários) ainda é debatida, pois fatores genéticos, o à saúde e aspectos socioeconômicos também têm um peso significativo.

“O principal aprendizado é que a prática de hábitos diários tem enorme impacto na saúde e na longevidade. Conexão social, propósito de vida e bem-estar mental são tão importantes quanto alimentação e exercício físico. Políticas públicas que favoreçam ambientes saudáveis podem gerar populações mais longevas e felizes, mesmo fora das Zonas Azuis”, finaliza a médica.

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