Esses erros sistemáticos de projeção não são exclusividade dos analistas que cobrem o cenário doméstico. Nesse mesmo período, os Estados Unidos vêm apresentando um comportamento similar em termos de atividade econômica, levando muitos agentes de mercado a precificarem, pelo menos desde 2022, uma desaceleração e uma recessão econômica que até agora não ocorreu. Mas, afinal de contas, o que está causando todo esse vigor da atividade econômica?

Apesar de aparentemente estarmos vivendo em uma situação econômica sem paralelos, o momento atual não é sem precedentes na história. Os anos que se seguiram à pandemia de Gripe Espanhola (1918-20) foram de forte crescimento econômico e ficaram conhecidos como “os loucos anos 20” nos Estados Unidos. Após ver a dívida pública saltar de praticamente 0% para próxima de 35% do PIB ao término da Primeira Guerra Mundial (1914-18), a expansão fiscal que isso representou e o aumento do serviço da dívida forneceram boa parte do estímulo de demanda que ajudou a impulsionar o crescimento econômico dos anos subsequentes.

De volta ao caso brasileiro, o aumento de gastos devido a emergência sanitária da pandemia de covid-19 a partir de 2020 e a decisão do governo Lula de inverter o ciclo político-eleitoral com a aprovação da PEC da Transição na virada de 2022 para 2023 (que resultou num aumento de gastos de cerca de R$ 200 bilhões) foi um fator que contribuiu para impulsionar ainda mais a demanda agregada.

Isso resultou em uma taxa de crescimento do PIB acima do potencial (estimado em 2,5%), uma taxa de desemprego próxima a mínimas históricas e abaixo da taxa natural, e um crescimento robusto da massa de rendimentos que vem, inclusive, superando a inflação, mesmo com ela se encontrando pressionada e rodando acima do teto da meta (4,5%) há vários meses.

Esse cenário fez com que o Banco Central se visse forçado a voltar a aumentar a taxa de juros em setembro de 2024, implementando uma política monetária ainda mais contracionista, levando a taxa de juros real para patamares próximos a 10% ao ano. Mesmo assim, a desaceleração esperada para ocorrer a partir do 4º trimestre do ano ado não se concretizou, com diversos indicadores de atividade e mercado de trabalho surpreendendo para cima ao longo desse 1º semestre de 2025.

A tese de que os canais de transmissão da política monetária estariam “entupidos” não parece ser o motivo por trás desse juro real elevado não estar conseguindo desaquecer a economia, uma vez que o volume de crédito direcionado é hoje muito menor do que já foi no ado e uma série de reformas liberalizantes ocorreram no sistema financeiro nos últimos anos visando endereçar justamente esse tema. Isto posto, na busca por outros possíveis fatores explicativos para essa aparente contradição, vale a pena revisitar uma ideia antiga na teoria econômica, mas que está há muito tempo ausente dos debates. Ela consiste no fato de que um aperto de política monetária tem o seu efeito líquido sobre a economia determinado por um componente de efeito substituição (o aumento do juro leva a uma troca intertemporal, com o indivíduo renunciando ao consumo presente em favor do consumo futuro) e outro de efeito riqueza (a demanda dos agentes aumenta à medida que o serviço e o estoque da dívida aumentam).

Para entender essa lógica, não se deve olhar o cenário apenas pela ótica do impulso fiscal “” (déficit primário), mas pelo “amplo” (déficit nominal), afinal o pagamento de juros num montante de alguns pontos de porcentagem do PIB representa uma transferência de recursos significativa para o setor privado da economia. Isso impulsiona a demanda, ainda que esses recursos sejam canalizados para a parcela mais rica da população, que supostamente tem uma propensão marginal a consumir menor do que a da parcela mais pobre.

A depender do estado no qual a economia se encontra, principalmente do nível da dívida pública, o efeito riqueza positivo pode acabar superando o efeito substituição negativo de uma alta de juros, promovendo um aumento em vez de uma diminuição dos recursos disponíveis na economia. Isso explicaria por que a atividade não desacelera e pode, na verdade, até estar sendo amparada por esses juros mais altos. A composição atual da dívida brasileira, com uma alta porcentagem de títulos pós-fixados (Tesouro Selic), intensifica a ação desse mecanismo de retroalimentação positiva.

Visto isso, tudo parece indicar que a melhor resposta do Banco Central sob esse cenário seria a de promover uma queda da taxa básica de juros, de modo a permitir que a dívida pública deixe de estimular a demanda agregada, permitindo, assim, uma zeragem do hiato do produto e a consequente convergência da inflação para a meta. O problema é que o prêmio de risco não permite que o banco central brasileiro atinja esse resultado (“first best”) com redução da taxa de juros. Logo, o melhor que a autoridade monetária pode fazer diante da conjuntura atual que ainda é de construção de credibilidade da política monetária, de falta de compromisso da política fiscal com a sustentabilidade da dívida pública e de expectativas desancoradas é manter a taxa de juros elevada por mais tempo (“second best”).

A ata do Copom da última reunião de maio apontou nessa direção, dando fortes indicações de que planeja encerrar o ciclo de alta de juros em 14,75% a.a. Contudo, seria melhor o Copom ter utilizado argumentos relacionados ao cenário interno, em detrimento ao externo (peso excessivo dada a queda do preço das commodities e interpretação diferente da do banco central norte-americano em relação ao PIB dos Estados Unidos), que vem sofrendo mudanças constantes, para embasar essa decisão.

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