Essa é uma dúvida comum, principalmente entre turistas ocidentais, que visitam o Japão em número cada vez maior a cada ano: como um país pode ser tão limpo e organizado, se quase não há lugares públicos para jogar o lixo?
Os alunos de McMorran não são os únicos a se questionar sobre isso. No início deste ano, a Organização Nacional de Turismo do Japão (JNTO) realizou uma pesquisa com ageiros que deixavam o país, perguntando sobre os principais desafios logísticos enfrentados durante a viagem.
A resposta mais frequente? A falta de lixeiras. Cerca de 22% dos turistas apontaram a dificuldade de encontrar onde descartar o lixo como o maior incômodo da viagem — superando até a barreira do idioma (15%) e a superlotação em atrações turísticas (13%).
Existem várias maneiras de explicar essa questão, mas, em geral, ela está profundamente ligada às normas culturais japonesas.
“Essa ausência de lixeiras pode ser especialmente incômoda para jovens viajantes que querem economizar”, explica McMorran. “Em vez de fazerem refeições em restaurantes, eles costumam comprar um oniguiri na loja de conveniência ou uma sobremesa fotogênica numa barraca de rua. Quando terminam de comer, começam uma busca frustrante por um lugar para jogar o lixo.”
Ele destaca que, embora os japoneses também comprem comidas e bebidas em máquinas automáticas ou nas kombini (lojas de conveniência), raramente consomem esses produtos andando pela rua.
No Japão, comer enquanto caminha é considerado falta de educação — a ponto de algumas cidades proibirem explicitamente essa prática. Assim, é mais comum que as pessoas levem esses alimentos para casa ou para o trabalho, façam a refeição ali e só depois descartem o lixo. Quando comem fora, costumam carregar uma sacolinha para guardar o lixo até poderem descartá-lo adequadamente.
O crescimento do turismo tem agravado a questão do lixo nas ruas do Japão. Um exemplo marcante é a cidade de Nara, a cerca de 45 minutos de trem-bala de Osaka. Embora seja famosa por seus templos históricos e relíquias budistas, os habitantes mais célebres são os cervos selvagens, conhecidos por “fazerem reverência” ao receber bolachas dos visitantes.
Mas o lixo virou uma ameaça à vida desses animais: em 2019, nove cervos morreram após ingerirem resíduos plásticos deixados por turistas.
As lixeiras dos parques de Nara foram removidas ainda em 1985, justamente para evitar que os cervos tentassem se alimentar delas. Placas espalhadas pela cidade orientam os visitantes a não jogar lixo no chão, alertando que restos de alimentos ou resíduos fora da dieta natural podem prejudicar os animais.
No entanto, com o aumento do número de turistas, ficou claro que os avisos não eram suficientes e que muitos não seguiam o costume local de levar o lixo consigo. Diante disso, a cidade reconsiderou sua política e instalou algumas lixeiras em pontos de maior movimentação.
Essas novas lixeiras, movidas a energia solar, exibem a mensagem “Salve os cervos” em inglês.
Outro exemplo é o famoso bairro de Shibuya, em Tóquio, que também enfrenta dificuldades com o lixo deixado por turistas. Nos últimos anos, políticos locais endureceram as regras, especialmente durante as caóticas celebrações de Halloween, tornando ilegal o consumo de álcool nas ruas — não apenas para reduzir o barulho, mas também para conter o volume de lixo.
Nas redes sociais, especialmente no TikTok, proliferam vídeos explicando as normas de etiqueta para turistas no Japão. Alguns viajantes até comparam favoravelmente a limpeza japonesa com a de países como Canadá e Estados Unidos, enquanto outros compartilham dicas de onde encontrar lixeiras (uma boa dica é procurar perto das máquinas de venda automática).
Para alguns visitantes, a dificuldade de encontrar lixeiras é vista como uma peculiaridade charmosa da cultura japonesa.
Para outros, porém, é um incômodo que atrapalha a experiência de viagem. Rubin Verebes, morador de Hong Kong, está nesse segundo grupo. Ele visitou o Japão pela primeira vez em setembro de 2024 e contou ter ficado frustrado com a dificuldade de encontrar onde jogar o lixo.
“É irritante andar o dia todo por Tóquio, acumulando mais de 20 mil os, e não encontrar uma única lixeira para descartar a embalagem do sanduíche”, relata.
“Algumas lojas de conveniência, como 7-Eleven, Family Mart ou Lawson, nem sequer tinham lixeiras disponíveis, então você acaba carregando embalagens sujas ou garrafas o dia inteiro até voltar ao hotel. As ruas são impecavelmente limpas, o que é ótimo, mas ter que carregar lixo o dia todo é bem chato.”
Paul Christie, CEO da empresa de viagens Walk Japan, costuma abordar a questão sob uma perspectiva cultural quando seus clientes perguntam sobre a escassez de lixeiras.
“Os japoneses valorizam muito a limpeza e colaboram como sociedade para manter o país assim, o que faz com que o Japão seja considerado um dos lugares mais organizados do mundo”, afirma ele ao CNN Travel.
No fim das contas, resume McMorran, “as comunidades japonesas decidiram evitar o incômodo e o custo das lixeiras públicas, e os consumidores japoneses assumiram a responsabilidade de planejar como vão descartar seus resíduos quando compram algo”.
Outro fator importante é a política de reciclagem do país. McMorran explica que algumas cidades chegam a ter até 20 categorias diferentes de materiais recicláveis, o que pode ser desafiador até mesmo para os próprios moradores, que precisam separar cuidadosamente cada tipo de resíduo.
“O sistema de transporte público impecável é um excelente exemplo: todos tratam as estações, trens, ônibus e demais ageiros com respeito e agem de acordo”, acrescenta.
Por trás da questão da limpeza e da etiqueta, existe também um motivo mais sombrio para a falta de lixeiras em locais públicos.
Em 20 de março de 1995, membros da seita apocalíptica Aum Shinrikyo realizaram ataques com gás sarin em várias linhas de metrô de Tóquio, matando 14 pessoas e ferindo mais de 5.500.
Os integrantes do grupo carregaram pacotes plásticos com sarin, deixaram-nos no chão dos vagões e perfuraram os sacos com as pontas de guarda-chuva ao sair. Entre as vítimas fatais estavam funcionários do metrô que tentaram limpar o vazamento e ajudar os ageiros.
O ataque chocou o Japão e marcou profundamente a sociedade. Uma das consequências foi a remoção de lixeiras das estações de metrô e trem. As que permaneceram aram a ter sacos plásticos transparentes, permitindo que a polícia veja facilmente o conteúdo, em contraste com os antigos recipientes metálicos, opacos.
Esse fenômeno não se restringe ao Japão. Muitas lixeiras também foram removidas do metrô e de pontos estratégicos de Londres após os atentados cometidos pelo Exército Republicano Irlandês (IRA) nos anos 1970.
As autoridades japonesas acompanham atentamente incidentes terroristas pelo mundo. Após os atentados a trens em Madri, em 2004, duas linhas ferroviárias japonesas decidiram suspender a manutenção de lixeiras, alegando preocupações semelhantes.
Para quem se preocupa em como carregar o lixo ao longo do dia, há uma solução criativa: o furoshiki, um tradicional quadrado de tecido usado para embrulhar objetos. Praticamente toda loja de souvenirs no Japão vende um. Ele pode ser útil, temporariamente, para armazenar resíduos até encontrar uma lixeira e, depois, virar uma lembrança charmosa da viagem.
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