O autismo é conhecido como um transtorno de “espectro” justamente porque há uma grande variação no tipo e intensidade dos sintomas que as pessoas vivenciam. Por esse motivo, há quem descubra que faz parte dessa estatística apenas na vida adulta.
O cantor Vitor Fadul - marido do historiador apresentador da CNN Leandro Karnal - foi diagnosticado aos 25 anos. É um caso parecido com o da funcionária pública Mirtes Oliveira, que começou a suspeitar da sua condição aos 28 anos, quando assistiu ao filme “Adam”, de 2009.
A trama é um romance entre Beth (Rose Byrne) e o protagonista Adam (Hugh Dancy), que tem a síndrome de Aspenger – hoje em dia conhecida como TEA nível 1 de e ou, popularmente, como “autismo leve”. (Vale lembrar que o austríaco Hans Aspenger contribuiu para a morte de várias crianças durante o regime nazista).
Em entrevista à CNN, a funcionária pública contou que a dificuldade para manter uma conversa banal, o desconforto social, as sobrecargas sensoriais, as crises, as falas “inapropriadas”, os hiperfocos (interesse intenso em um assunto) de Adam foram algumas características com as quais se identificou.
“Esse filme me causou grande impacto, foi como se alguém tivesse exposto os meus sentimentos, emoções e reações ali”, disse Mirtes.
Logo após o filme, ela pesquisou o assunto na internet e leu artigos, postagens, assistiu depoimentos e até fez testes como o “Aspie Quiz", que só aumentavam a suspeita de que ela estava no espectro.
Buscar a avaliação profissional especializada, no entanto, foi difícil:
“Eu descobri que encontrar um profissional da área de psicologia e/ou psiquiatria que fosse capacitado para avaliar e diagnosticar autismo em adultos era quase como encontrar um unicórnio”, desabafou.
Foi preciso que uma amiga estudante de medicina encontrasse um psiquiatra especialista em TEA.
“Mesmo sendo psiquiatra infanto-juvenil, ele abriu uma exceção para mim. Por volta de março-abril de 2011, começamos o processo de avaliação, e o meu diagnóstico foi confirmado em junho. É ele quem me acompanha até hoje”, diz.
Em entrevista à CNN, a psicóloga Ashley Curcio, que atende na Genial Care, uma clínica multidisciplinar focada em crianças do espectro autista, apontou que diagnosticar adultos costuma ser mais difícil porque sintomas do TEA podem se sobrepor a sintomas de outros transtornos de saúde mental, como transtorno de ansiedade ou transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).
"Embora a avaliação do TEA em adultos ainda esteja sendo refinada, eles podem procurar ou ser encaminhados a um neurologista, psicólogo ou psiquiatra que tenha experiência com TEA”, diz a psicóloga.
Segundo Ashley, estes são alguns pontos que o profissional irá abordar:
A avaliação também pode incluir uma conversa com cuidadores ou outros membros da família para aprender sobre a história de desenvolvimento inicial da pessoa, o que pode ajudar a garantir um diagnóstico mais preciso.
“Obter um diagnóstico correto de TEA como adulto pode ajudar a pessoa a entender os desafios do ado, identificar pontos fortes pessoais e encontrar a melhor forma de ajuda já que cada um de nós somos únicos e precisamos de diferentes coisas”, diz Ashley.
Foi o que aconteceu com Mirtes: “Eu ei 28 anos da minha vida sem entender o porquê de coisas tão simples para as pessoas ao meu redor são tão complicadas para mim”, conta.
Uma dificuldade da funcionária pública era se divertir em festas e shows. Para Mirtes, era algo que as pessoas aprenderam rápido a fazer e ela estava demorando para conseguir.
"Eu desconhecia o fato de que eles não haviam ‘aprendido a se divertir’ nesses eventos, eles simplesmente achavam divertido, e os frequentavam por isso”, explica.
De acordo com a psicóloga Ashley Curcio, os sinais em adultos podem ser um pouco mais sutis e até por isso pode ser que um diagnóstico não foi dado ao longo da vida. Ela diz que vale prestar atenção nesses sinais:
Mesmo que feito tardiamente, Mirtes Oliveira diz que a busca pelo diagnóstico vale muito a pena, pois há uma forte sensação de libertação.
“Libertação do nosso eu do ado, pois muitas vezes carregamos uma culpa que não cabia a nós carregar, pois era uma culpa por falhar em ser alguém que nunca fomos, nem deveríamos ter tentado ser”, conta.
Segundo a psicóloga Ashley Curcio, o maior mito que gira em torno do autismo é a capacidade do indivíduo.
“O fato de ter esse diagnóstico não significa que o indivíduo não possa aprender, não possa sentir o que está acontecendo em seu ambiente e não saiba o que está sendo falado no seu entorno”.
A profissional lembra que o TEA é um espectro, e o que os indivíduos serão capazes de fazer ou não será muito variável. “Não devemos julgar um livro pela capa e presumir que as pessoas com diagnóstico de autismo agirão ou pensarão de determinada maneira”, diz.
Veja outros mitos citados por ela: