Quem estava com saudade de um Cronenberg com mais vísceras? Depois de 20 anos focando sua carreira em dirigir filmes de drama um tanto medíocres como "Cosmópolis" (2012) e "Mapa para as Estrelas" (2014), o cineasta volta às origens em "Crimes do Futuro": objetos afiados penetrando peles, órgãos expostos e, a especialidade do cineasta, a mutação do ser humano perante à sociedade.
Desta vez, essa transformação vem através da dor e da arte.
Em um futuro indefinido, a chamada "síndrome de evolução acelerada" mudou completamente os rumos da humanidade. As pessoas agora não sentem mais dor, o que permite a elas trabalharem com essa sensação inexistente de formas desruptivas. Cirurgias estão na lista.
Saul Tenser (Viggo Mortensen) é um artista cujo corpo cria órgãos adicionais, fazendo com que ele tenha diversos cancros em seu organismo. Caprice (Léa Seydoux) é sua ajudante, e tatua os órgãos que são removidos constantemente através de cirurgias performadas para uma grande plateia.
A arte de ambos chama a atenção de dois funcionários públicos, Timlin e Wippet (Kristen Stewart e Don McKellar), que, em um primeiro momento, fiscalizam a atividade, depois, porém, acabam se fascinando por ela.
A partir desse fascínio, surge a sensualidade. Cronenberg consegue criar o conceito de que, neste futuro, a cirurgia é o novo sexo. Inclusive, o espectador mais curioso para saber quando essa realidade poderia se concretizar vai se frustar.
O ambiente do filme é paradoxal e interessantíssimo, a cidade onde "Crimes do Futuro" se a tem um aspecto de abandono, mas, ao mesmo tempo, todos os personagens parecem ser abastados.
A tecnologia mostrada no filme é assim: são camas, cadeiras, câmeras e equipamentos de cirurgia que possuem uma aparência dos anos 1980, mas conceitos altamente futuristas.
O mesmo acontece, portanto, com as relações físicas.
Em um momento do filme, dois personagens performam um dos únicos beijos que vemos durante uma hora e quarenta minutos. Nisso, o personagem de Viggo Mortensen diz: "Eu não sou muito bom no 'sexo antigo'".
O conceito do filme é extremamente criativo e bem construído, ainda mais no momento em que vivemos, quando toda e qualquer arte é considerada pós-moderna e o público reclama da falta de originalidade dos conteúdos que são consumidos todos os dias.
Seria somente a ausência de dor uma solução para esse ime?
Enquanto a originalidade do longa te deixa matutando por horas a fio, a história, por si só, não prende.
Um dos pontos altos da carreira de Cronenberg é a mistura perfeita entre terror corporal e suspense, com arcos que evoluem e enredos com começo, meio e fim, sem furos.
Porém, quando a história se afasta do casal principal, "Crimes do Futuro" parece perder o rumo, agregando personagens sem qualquer desenvolvimento e apressando o próprio ritmo, lento e contemplativo, para que o filme acabe de supetão, funcionando como uma introdução para algo maior que não virá.
A ideia está ali, e é ótima, mas parece que Cronenberg ainda está se aquecendo para retomar aquele gênero cinematográfico único que ele ajudou a criar. Aguardaremos, de bisturi na mão.
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